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O Cearês, de onde vem?

Qual a formação da nossa linguagem? Que influências sofreu? Quais são nossas raízes?

Antes de responder essas questões, cabe a consideração de que a história do Ceará e a maneira como ela é contada (com raras exceções), a torna uma ilustre desconhecida para maioria dos cearenses. Se desconhecemos nossa história como podemos ter esse tão sonhado pertencimento? Aliás, como ter sentimento de pertencimento ou afeto por algo de que se desconhece?

 Existem vários estudos – e até fico feliz que o Orélio tenha servido de dados para algumas pesquisas – que buscam entender quais são os aspectos fundantes do nosso linguajar, mas ainda assim, não há uma resposta direta para essa pergunta.

O que é mais ou menos aceito e que minhas pesquisas apontam é de que o Cearês é derivado do português em essência e tem várias influências que vão desde a árabe, criola, inglesa, africana, indígena, portuguesa e que sofrem fusão, corruptelas e se ‘cearensiza’ por assim dizer.

Outras são simplesmente neologismos criados muitas vezes por falta de repertório no vocabulário do mesmo mesmo português que se espalham e que dá um trabalho danado pros filólogos descobrirem suas origens.

No meu trabalho como historiadora, procurei registrar palavras em desusos e evitei ao máximo reforçar estigmas de um português mal falado. Mas não tive intenção de investigar suas origens, deixo pros linguistas e filólogos que poderão fazer essa pesquisa com bem mais propriedade.

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Sobre nossas raízes, também me ressinto de haver poucos estudos e pesquisas nesse campo. Mas qualquer pesquisa séria irá se deparar com as evidência da preponderância indígena na nossa formação ‘genética’. Indícios são vários. É só ver os nomes das cidades e bairros do nosso estado. É observar nossa culinária, nossa hospitalidade e queda pelo jocoso.

O que é inconteste no campo paradigmático da história é que, assim como no restante do pais, já existiam milhoes de nativos, antes dos europeus nos invadirem e nos tomarem como seus. Tais nativos hoje denominados de indígenas foram dizimados, aculturados e usados como escravos. Hoje, pelo processo violento de dizimação temos apenas cerca de 20 mil destes povos indígenas que ainda resistem ante o culturicídio a que foram submetidos.

 

Pela peculiaridade de nossa formação colonial nos diferenciamos de boa parte do nordeste uma vez que nossa economia não era baseada na monocultura da cana-de-açúcar pois nossa terra era tida como imprópria para o cultivo, o que nos dá uma pista de que não tivemos “estrangeiros” suficientes para formar uma etnia. E por essa caracteristica, usou-se pouco da mão de obra escrava para lavoura. Por isso, a influência africana embora marcante, não teve correspondência numérica.

O povo africano veio em menor quantidade do que na maioria dos outros estados, embora hajam fartos vestígios da presença destes em regiões do estado onde havia condições climáticas para a agricultura, sua grande massa, de um modo geral, foi escravizada para trabalhos domésticos.

Daí é uma impropriedade histórica afirmar que no Ceará não houve e não há negros. Há e houve mas sempre foram invisíveis. Hoje estes estão à margem, em favelas e são as vítimas em potencial da violência do estado. Como se diz, o ‘camburão’ é o novo navio negreiro.

O que se quer pontuar, no entanto, é que somos constituídos eminentemente pelos indígenas, povos originários. Ainda que queiramos – intencionalmente ou não – negar esse fato.

Outra característica nossa e marca uma história mais recente e que pode apontar para uma leitura do que seja nossas origens ou influências, foi a formação econômica baseada na pecuária, onde houve uma intensa troca advindas da comercialização de gado com o resto do país. Tais trocas se deram também e influenciaram pelo mar, vinda dos pescadores de diversos pontos do país.

Essa troca, de dificil mensuração do grau de influência, nos dá pistas para entender essa punjança de expressões idiomáticas tão diferenciadas, ainda que existam vários pontos de convergências.

 

Andréa Saraiva

Historiadora, autora do Dicionário Orélio Cearense

 

*(parte de uma entrevista concedida ao Jornal Diário do Nordeste)