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Economia Colaborativa e Solidária

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Do ponto de vista etimológico, “economia” origina-se do grego oikos (casa) e nomos (costume ou lei) ou também gerir, administrar: daí “regras da casa” (lar) e “administração da casa”. [1]. Já “Cultura” vem do latim “colere” que significa “cultivar”. Pode-se perceber, portanto, a aproximação entre os termos na sua origem.

Isso posto, prossigamos ao entendimento de como a cultura e seu componente econômico vem sendo vem sendo tratada nos diversos setores, no Brasil.

No setor privado, a Cultura foi devidamente transformada em mais um objeto de consumo. Mais um produto. Mais uma forma de geração de lucros. Aliás, a economia da cultura, economia da criatividade, indústria do entretenimento – como são normalmente conhecidas – movimentam cifras estratosféricas correspondentes, por exemplo, a mais de 7% do PIB mundial com crescimento anual de 6,3% – superior inclusive ao da economia mundial. Os dados revelam que na Europa a movimentação atinge quase 8% do PIB e nos EUA é um dos maiores itens de exportação. Assim sendo, país afora a cultura é tratada como uma mercadoria valiosa.

Pelo lado do investimento público, tradicionalmente os beneficiários tem sido as grandes empresas de entretenimento, produtores conhecidos e artistas renomados. As formas de financiamento direto, são basicamente, a Lei Rouanet2, com suas conhecidas distorções de finalidade, regionais e distributivas; financiamentos de bancos como o BNDES e o BNB, que muitas vezes com a condição de investimento a partir de um milhão de reais, diga-se; e editais gerenciados pelo MINC, o que para audiovisual, por exemplo representa alguns milhões destinados a realizadores e somente distribuição de kits para exibidores, por exemplo3.

O Programa Cultura Viva4 foi a primeira experiência de financiamento direto de produtores culturais de associações populares. Ele conseguiu atingir pessoas que não só produzem cultura em comunidades, mas que fazem parte da resistência cultural brasileira, apesar do mainstream do mercado.

A metodologia do Cultura Viva era de investimento em expressões que já existiam, potencializando grupos culturais populares ao invés de criar equipamentos públicos pouco apropriados pela comunidade. Nos Pontos de Cultura se faz, mesmo que não se reconheça, economia solidária, no sentido da prática colaborativa. Embora muitos não tenham intenção ou vocação para se firmarem como empreendimentos culturais, em um momento começou-se a vislumbrar a possibilidade de que alguns pontos pudessem distribuir sua produção e gerar renda. A ideia de redes que dessem visibilidade e propiciassem ambiente adequado para a venda de produtos e serviços ou mesmo permitissem trocas livres, fez parte desse vislumbre5.

Nesses meses de governo, a nova administração do Minc tem demonstrado de que não vai dar continuidade à política anterior e sinalizado sua simpatia por modelos privatista do conhecimento, haja vista a grande aproximação com órgãos de direitos autorais e das grandes indústrias fonográficas, do desconhecimento e abandono das licenças livres, dentre outros indícios, como a agenda tratada entre MINC e Câmara de Comércio dos EUA, quando da visita do Presidente Obama ao Brasil.

A criação da Secretaria de Economia Criativa indica a escolha do governo federal em empreender um tipo de desenvolvimento econômico na cultura mais preocupada em impactar o PIB do que propriamente criar mecanismos de impactar o desenvolvimento local. Pois que sim, a cultura, se houver investimento e acompanhamento técnico adequado, poderá ser grande vetor de geração de renda e de desenvolvimento local. A questão é escolha de modelos. Estamos assistindo a ebulição de um tipo de economia da cultura cujo recorte é na economia do intangível, da criação, na economia do conhecimento voltada ao grande mercado.

Há uma miopia do Ministério da Cultura de não perceber que os Pontos de Cultura possam gerar renda e que os relega a um “social” dentro do cultural. Nada pode ser mais errado. Repriso o pensamento de que uma vez equacionada as distorções, uma vez aproximada da economia solidária e com investimento continuado, os Pontos e empreendimentos culturais autogestionados poderiam suprir a necessidade de sustentabilidade financeira e de uma só tacada diminuiria o gravíssimo problema cultural no país que é o déficit por equipamentos.

Se levarmos em conta o montante do recurso público, chegaríamos a constatação de que o Estado tem se tornado, um investidor no setor cultural. Sendo que está investindo na perpetuação de fabricação de uma cultura mercadológica, de descarte. Por analogia, não é forçoso perceber que a politica pública no Brasil é cúmplice da intermediação e sustentáculo do capital. A manutenção dos “atravessadores” que lucram com trabalho de muitos, a falsa dicotomia artista/cultura, o fechamento às possibilidades colaborativas de produção e reformulação ainda pouco clara do Programa Cultura Viva. Sem possibilidade, portanto, da construção de uma cultura que promova autonomia, protagonismo, acesso amplo à cultura para a população e possivelmente desenvolvimento econômico local.

Esse ensaio, portanto, procura aproximação explícita com modelos colaborativos, a opção aqui é por uma cultura aliada à economia solidária, um não solene ao mercado e ao tipo de cultura que renega protagonismos e empoderamento.

Outra grande questão é romper com os paradigmas. Pois nem as políticas de cultura enxergam na economia solidária uma boa alternativa de sustentabilidade financeira, tampouco a economia solidária enxerga a economia da cultura como atividade econômica. Eis o grande desafio.

Para Ana Carla Fonseca Reis é equivocado pensar que a cultura deva se curvar à economia ou ao mercado. Para ela, a economia da cultura envolve e “oferece todo o aprendizado e o instrumental da lógica e das relações econômicas – da visão de fluxos e trocas; das relações entre criação, produção, distribuição e demanda; das diferenças entre valor e preço; do reconhecimento do capital humano; dos mecanismos mais variados de incentivos, subsídios, fomento, intervenção e regulação; e de muito mais – em favor da política pública não só de cultura, como de desenvolvimento” [ 6].

Cabe o recorte de que tratamos cultura no sentido amplo. Que vai desde as linguagens artísticas como música, teatro, cinema, dança até a cultura como o conhecimento, o desenvolvimento de softwares, a metaReciclagem7. A própria utilização de ferramentas tecnológicas é cultura, inclusive. Estamos tratando da cultura como processo e como produto, na possibilidade de sustentação de experiências e até emancipação econômica.
Podemos citar inúmeros exemplos de coletivos de norte a sul do país: O Fora do Eixo, Puraqué, Iteia e a magnifica ideia da Produtora Colaborativa, a Rede Tucum de turismo comunitário, Odomodê e o mercado do TecnoBrega dentre outros tantos modelos de economia colaborativa que já são realidade.

Ou podemos citar Pontos que em si promovem redes locais, enraizadas na comunidade, como o Coco de Umbigada, Associação Piauiense de Hip Hop, Odomodê, entre outros, que no fazer cultural organizam fluxos na comunidade, propiciam vivências, difusão e distribuição cultural. Cada atividade tem fundamento nos princípios que geraram essas experiências: o terreiro, o Hip Hop, os griôs são fundamentos que se expressam também em produtos e produções culturais: eventos, cds, estúdio, roupas, rádio, vídeos, instrumentos, alimentos, arte gráfica, grafite.

Certamente esses coletivos não tem viés estritamente econômico, mas é alento perceber que a cultura pode transformar atividades econômicas e gerar renda que faça essas experiências perdurarem, com uma lógica diferente do capitalismo.

Aliado a isso existem elementos importantes que vêm causando redefinição de vários quadros antes sacramentados. A internet, a popularização de equipamentos tecnológicos, a economia solidária como alternativa e a cultura colaborativa ensejaram uma gama de transformação no mercado cultural. A título de exemplificação, o setor da música, ao que parece, tem se adaptado bem a novos modelos de negócios. Tirando a figura do intermediário – industria fonográfica, distribuidores etc., até então o maior beneficiado financeiramente – e comercializando diretamente com seus ouvintes seja em shows ou pela venda direta na internet ou bancas de revistas. Outra boa alternativa são as cooperativas de desenvolvedores de softwares que estão abrindo mão de grandes empresas para se dedicarem a se autorganizar e fazer disso uma forma exitosa de geração de renda.

Daí que lanço muito mais questionamentos do que propriamente soluções. Pelo simples fato de que tudo ainda está por ser escrito, desenhado. Cabe o desafio de perceber: de que forma a economia solidária pode ser um instrumento para viabilização dessas alternativas de sustentabilidade financeira? É possível modelos que tragam autonomia e possibilidade de sobrevivência digna a partir da atividade laboral que não alimente a perversa lógica capitalista?

Os mecanismos de fomento à atividades culturais deve ainda ser debatida e certamente teremos essa oportunidade na tramitação do projeto de lei Pró-Cultura. A lei do Vale-Cultura que está prestes a ser votada e que movimentará mais de R$ 7 bilhões no mercado brasileiro e que se não houver discussão, irá correr pras águas da grande indústria cultural.

Precisamos pensar em mecanismos adequados e eficientes para desenvolver a economia aliada à cultura como crédito e microcrédito, moedas sociais, redes de trocas, bancos comunitários, formação, investimentos a fundo perdido, pautas mais comuns ao movimento de Economia Solidária e mecanismos estatais apropriados pelo grande capital.

Passamos da era industrial para a era do conhecimento e este sendo livre terá maiores condições de possibilidades de propiciar sinergias coletivas, da liberdade sair do plano da utopia e se tornar realidade. Tornar o que se gosta de fazer em atividade econômica que forneça condições dignas de sobrevivência, tornar essa atividade prazerosa.
Precisamos urgentemente de redes virtuais e presenciais para aprofundar propostas e validar esses muitos experimentos em economia colaborativa e em rede. Precisamos sair da invisibilidade e lutar para que tenhamos o mesmo volume de financiamento que a cultura de mercado sempre teve. Precisamos é de uma política cultural que nos reconheça como gerador de desenvolvimento econômico, justo e colaborativo.

Referências citadas:
Coco de Umbigada (PE) – http://sambadadecoco.blogspot.com/
Afro-Sul / Odomodê (RS) – http://ong.portoweb.com.br/afrosul/
Mucambo Nuspano (PI) – http://mucambo.mercadoshops.com.br/
Puraqué (PA) – http://mucambo.mercadoshops.com.br/
Iteia / Produtora Colaborativa – http://www.iteia.org.br
Rede Cearense de Turismo Comunitário – http://www.tucum.org/
Rede MetaReciclagem – http://www.metareciclagem.org/
Fora do Eixo – http://foradoeixo.org.br/
Tecno Brega – http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobrega / http://www.bregapop.com

Andréa Saraiva
Historiadora, escritora, autora do E-book “Existe Vida cultural além de editais?”É consultora e implementadora de políticas e programas de cultura e de tecnologia. Foi consultora do MinC/Pnud onde implementou a Ação Economia Viva no âmbito do Ministério da Cultura. Administra a Casa de Cultura Livre em Fortaleza-Ce e atualmente assessora a Rede Tucum de Turismo Comunitário em 13 comunidades da Zona Costeira Cearense.

Transita no universo entre antenas e raízes. Fez a opção pela economia da cultura colaborativa.

Texto revisado por Regiane Nigro

Esse artigo faz parte da publicação dos resultados do Seminário Internacional de Economia Solidária ocorrida em Osasco-SP

Campanha Lixo Eletrônico

“Não Rebole seu lixo eletrônico no mato”

Slide:

Como tornar a vida menos chata ou #objetivosdomilenio

1. Libertar as quartas-feiras de ser dia útil;
2. Tirar jesus da cruz e assim liberar a humanidade da culpa judaico-cristã;
3. Deixar o fiofó dos outros em paz;
4. Libertar para que cada pessoa defina o que é ou não, dia útil;
5. Expurgar da face da terra o câncer chamado relatório;
6. Ligar o botãozinho do ‘foda-se’;
7. Se entorpecer de vinho até turvar a vista ao ponto de não mais discernir o captcha para baixar um vídeo;
8. Nunca ir pra cama sem antes trollar um político hipócrita;
9. Tornar crime hediondo a prática da exigẽncia de projeto;
10. Nunca perder o sono por estar devendo cartão de crédito;
11. Se empenhar em pagar o que deves a quem precisa do teu dinheiro;
12. Se sentir honrado por seu nome constar no cadastro de pessoas inadimplentes. Se possível, peça ao SERASA o comprovante de dívida ativa e pendure na parede como troféu;
13. Ter discernimento entre política e políticagem. Especialmente em época de eleições;
(…em construção de outros #objetivosdomilenio)
@andreasaraiva

Os estacionamentos nos engabelam

Engabelar no cearês significa enganar, ‘enrolar’. É o uso deliberado de artifícios para esconder uma trapaça. É a velha expressão ‘cozinhar o galo’.
Estacionamentos nos trapaceiam.

Muitos que convivem comigo mais de perto tem acompanhado meu drama de ter sido furtada no estacionamento do Hipermercado Extra da Rodoviária de Fortaleza. Dentre outras coisas, levaram o meu laptop que é meu instrumento de trabalho.

Por esse motivo tentei negociar a restituição e eles me engabelaram mais de um mês na resposta. E a resposta foi a de que a loja não se responsabiliza pela segurança a clientes em seus estacionamentos.

E isso é, naturalmente, uma engabelação. Eles já foram derrotados várias vezes em tribunais, não é possível que desconheçam isso:

Súmula nº 130 – do STJ de 29/03/1995 – DJ 04.04.1995

Reparação de Dano ou Furto de Veículo – Estacionamento – Responsabilidade
“A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.”

Com essa engabelagem eles esperam que clientes desistam de buscar os direitos na justiça. Querem vencer pelo cansaço pela crença de que brasileiro não tem costume de persistir nos caminhos judiciários.

Outra forma de engabelação são as placas de estacionamentos que falam “não nos responsabilizamos por objetos deixados…bláblá”. Essa engabelação é pior de todas, pois ilude, mente. Prestam desserviço, desinformam. Praticam a anti-educação cidadã.

Como podem reparar e eu não faço esforço nenhum de esconder, estou bastante indignada. E impotente. Mas buscando meus direitos e denunciando, ainda que solitariamente, essa sórdida estratégia de engabelar clientes nas placas mentirosas.

Entrei em contato com o IDEC- Instituto de Defesa do Consumidor que nos respondeu com esse post:

Estacionamentos não devem se eximir de culpa por dano no veículo, mesmo com placa de aviso

Consumidor não deve ser lesado por furto ou roubos ocorridos dentro do estabelecimento; direito de ressarcimento é garantido pelo CDC

Comuns em estabelecimentos comerciais que oferecem o serviço de estacionamento, placas com frases similares à “Não nos responsabilizamos por danos ou objetos deixados no interior do veículo” preocupa quem preza pela segurança de deixar o carro enquanto faz compras ou utiliza os serviços de shoppings, hipermercados e demais lojas.

Até onde vai a responsabilidade da empresa prestadora do serviço? Para o Idec, a utilização do aviso aos consumidores é ilegal perante o CDC (Código de Defesa do Consumidor), onde a placa informativa é considerada uma cláusula abusiva, e portanto, nula.

Em março de 2010, entrou em vigor a lei nº 13.872 no estado de São Paulo, que obriga os estacionamentos a emitirem comprovantes de entrega do veículo contendo o preço da tarifa, a identificação do modelo e da placa, além do nome e endereço da empresa prestadora do serviço. Essas informações devem estar disponíveis de forma clara para que, na ocorrência de qualquer problema, o consumidor saiba exatamente a quem reclamar uma indenização.

Responsabilidades
O dever do estacionamento de zelar pela segurança do veículo deve estar claro aos consumidores. “A responsabilidade pela má prestação do serviço vem prevista no art. 20 do CDC. Nesse sentido, os danos causados ao veículo na prestação do serviço são de responsabilidade intrínseca do estacionamento, uma vez que no serviço está subentendido o dever de guardar e de garantir a integridade do veículo”, explica a advogada do Idec, Mariana Ferraz.

A advogada também lembra que a mesma responsabilidade garantida pelo CDC para os serviços pagos deve estar presente nos estacionamentos gratuitos, oferecidos como cortesia em muitos estabelecimentos. “De acordo com a Lei nº 13.872/09, nada ressalva os estacionamentos gratuitos de se submeterem à responsabilidade de ressarcir o consumidor, tanto por danos causados no veículo, quanto pelo furto de objetos contidos em seu interior”, afirma Mariana.

Da mesma forma, os serviços de manobristas oferecidos em eventos, shows, bares e casas noturnas, conhecidos como “valet service”, também são responsáveis por qualquer dano. No entanto, essa responsabilidade é dividida entre o estabelecimento (estacionamento) e o prestador de serviços (de manobristas).

Vale lembrar que, de acordo com a Lei nº13.872/09, as placas que retiram a responsabilidade dos estabelecimentos em relação ao veículo ou aos objetos contidos em seu interior são proibidas.

Como se proteger?

Em casos de furto ou roubos dentro de estacionamentos, o consumidor lesado deve primeiramente procurar uma delegacia mais próxima e registrar um Boletim de Ocorrência, como forma de comprovar furto ou dano ao veículo. Em seguida, deve mandar carta com Aviso de Recebimento à empresa administradora do estacionamento, exigindo a reparação dos danos. A reclamação deverá ser feita por escrito, relatando o valor dos prejuízos sofridos.

Outra forma útil de comprovar a culpa do estabelecimento é o recibo ou ticket do estacionamento. É importante também ter em mãos o horário de entrada e saída do estacionamento, pois essas informações provam que o veículo ficou sob responsabilidade da empresa durante o período da ocorrência do dano. Fonte: IDEC

E para diminuir minha sensação de impotência estou publicizando os fatos em redes sociais na esperança de que pelo menos os “estacionamentos” parem de nos engabelar.

@andreasaraiva

Você também pode fazer leis

Não precisa ser político ou ser de partido para fazer política

Muito se critica sobre a mentalidade política vigente, sobre as práticas – as mais absurdas, de troca de apoio político por cargos. Assiste-se a toda sorte de conchavo, de uso indevido da função pública e do total desrespeito com a população. No entanto, há uma relação simbiótica entre a sociedade civil e o poder público que muitas vezes reforça e dá sustentação à cultura política praticada.

De um lado, os sistemas políticos estão assentados de modo a favorecer esse tipo de cultura em que não existem mecanismos de controle social ou de participação popular. Por outro lado, a sociedade civil (organizada ou não) assiste a esse degradante espetáculo e poucos são os que defendem as iniciativas de controle social sobre os órgãos legisladores. Temos uma forte cultura de acomodação e do culto ao poder executivo e nos esquecemos de que se torna urgente a democratização da participação popular nas decisões de nossa cidade.

Reputo ao desconhecimento dos direitos o fato do distanciamento entre sociedade e os poderes instituídos. Não creio que estejamos satisfeitos com o modelo a qual somos instados a participar somente no período eleitoral.

O que aqui se segue é um chamamento para que pensemos em soluções que visem a democratização da participação política da sociedade civil nos órgãos de decisões políticas, mormente no poder legislativo municipal. Acredito que a primeira proposta seja a de criar mecanismos democráticos dentro Câmara Municipal, iniciando uma cultura horizontal, de partícipes dos interesses da nossa cidade, de protagonismo político.

Uma das experiências de mecanismo foi a criação da “Comissão de Legislação Participativa” que é uma Comissão Permanente na Câmara dos Deputados de iniciativa da Deputada Federal Luíza Erundina. Criada em 2001, poucos sabem da existência da mesma. Seu objetivo é, segundo a cartilha que dissemina a proposta:

“Não se trata de mais uma Comissão, trata-se de um fórum por meio do qual a sociedade civil organizada poderá intervir diretamente no sistema de produção das normas e das leis, apresentando sugestões para o aperfeiçoamento da legislação já existente ou para elaboração de novas normas”.

Nossa proposta inicial é que estudemos esse mecanismo e vejamos a viabilidade de implantação da referida “Comissão” na Câmara Municipal.

Antes vejamos como a Lei Orgânica do Município trata de “participação popular”:

Art. 5° O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular são formas de assegurar a participação do povo, nas definições das questões fundamentais de interesse da coletividade.

Abaixo as poucas linhas destinadas a esse mecanismo na Lei Orgânica:

Como visto acima, os projetos serão votados com no mínimo 5% do número de eleitores do universo de 1.558.732 votantes da capital. Em número que dizer que seriam necessárias cerca de 75 mil pessoas para levar um projeto para votação. A distorção fica clara quando a gente percebe que o vereador mais bem votado obteve 14.917 e o vereador que obteve a menor votação, conseguiu 3.419 votos. Certamente essa lei resulta defasada ante a necessidade de modernizar as condições de participação popular.

Vejamos as propostas da Comissão de Legislação Participativa.

O que é:

Visa criar condições para que a sociedade possa exercitar seu direito consagrado e democrático de também legislar, apresentando sugestões, propostas e esclarecimentos do seu interesse. A Comissão de Legislação Participativa trabalha com esse propósito. Assegura a toda a sociedade um espaço legítimo para defesa e discussão de Sugestões Legislativas, dentro da esfera legal.

Quem pode apresentar Sugestões Legislativas?

• Organizações Não-Governamentais – ONGs;

• Associações e Órgãos de Classe;

• Sindicatos;

• Entidades da Sociedade Civil, exceto Partidos Políticos;

• Órgãos e Entidades de Administração Direta e Indireta, desde que tenham participação paritária da sociedade civil.

Que tipos de Sugestões Legislativas podem ser apresentadas?

Sugestões de Projeto de Lei Complementar;

Sugestões de Projeto de Lei Ordinária;

Sugestões de Projeto de Decreto Legislativo;

Sugestões de Projeto de Resolução da Câmara dos Deputados;

Sugestões de Projeto de Consolidação;

Sugestões de Requerimento;

Sugestões de Indicação;

Sugestões de Emenda;

Sugestões de Proposta de Emenda à Constituição;

Sugestões de Requerimento de Convocação;

Sugestões de Requerimento de Criação de Comissão Parlamentar de inquérito

etc

Ou seja, legisla sobre importantes temas.

Para seguirmos adiante, sugiro a leitura da cartilha feita por essa comissão do Câmara Federal orientando a criação desse mecanismo legislativo nas esferas estaduais e municipais. A orientação é tão completa que indica até um Modelo de Projeto de Resolução pronta para ser adaptada aos moldes da câmara.

Baixe aqui a cartilha: Cartilha de orientação

Caso queira levar essa idéia a frente, manifeste nos comentários e nos ajude a pensar em meios digitais para que o debate prossiga e para criarmos estrétegias de mobilização para sua aprovação.

Não é do meu feitio pedir que indiquem a leitura de algo, mas se você leu até aqui, vai entender da necessidade de disseminação da idéia.

@andreasaraiva

Impressões sobre o debate da Cultura Digital e o Novo Velho Minc

Eu assisti. Confesso que merecia um texto mais aprofundado sobre as impressões, mas ando mesmo cansada dessa discussão. Valeria, com certeza, um texto sobre o jogo dos 7 erros do novo velho MinC.

Mas vamos ao debate que ocorreu dia 25/03 na FUNARTE entre representantes do MinC, o secretário executivo Vitor Ortiz, Sérgio Mamberti, Murilo e representantes da Cultura Digital e foi transmitida pela web.

Em suma, as falas dos nossos interlocutores foram muito qualificadas. Acho mesmo que foi uma aula que eles deram para o Vitor Ortiz e essa nova gestão tão afeita a obscurantismo. Foi uma consultoria de graça pro governo tamanha a qualidade das falas. Creio que o pessoal vai disponibilizar o vídeo do debate. Vale ouvir cada uma das intervenções. Isso tem que ser reverberado.

No entanto, o secretário executivo se abriu somente nos minutos finais do debate. E nesse momento é que mostrou o grande equivoco conceitual do MinC com relação ao Ecad e direitos autorais. Para ele a questão central é o papel do estado e que existem três modelos ou vias:

1. Modelo privado (o mercado se encarrega disso. Manutenção do Ecad)
2. Modelo estatizante (o estado gerenciando os direitos autorais)
3. Modelo Híbrido que junta os dois acima. (que é o que ele defende)
O Sergio Mamberti da SPC me pareceu mais direto quando falou que era favorável a mecanismos de transparência e controle ao Ecad. O discurso do Vitor foi vacilante, escorregadio. Por várias vezes esteve na defensiva e comentou sobre a suposta “demonização” que os movimentos tem feito com relação à ministra. A esse respeito, acho que eles não entenderam que a briga não é entre Ecad e Creative Commons. Uma vez que existem muitas outras licenças que sequer entraram na pauta nesse rolo compressor.

Tampouco a briga é só do cultura digital. Eles estão menosprezando que o debate já chegou a pessoas que não sabem nem que troço é cultura digital mas já entenderam o jogo e tem apoiado em peso. Precisamos mais disso: ganhar corações e mentes para essa causa.

Uma coisa que me incomoda também é que eles tentam desqualificar nossa fala dizendo que estamos defendendo interesses particulares. Pode até ter gente que perdeu suposto “prestigio” no novo MinC mas estes são minoria e acho bom que esse tipo de política tenha ficado no passado. Tinha que mudar mesmo. Mas daí a jogar tudo na mesma panela nos acusando de que a reclamação é pelo fato do Juca Ferreira ter sido preterido, é uma tremenda sacanagem. Temos que dizer que a população está reclamando, não só quem entrou na história do #ficajuca.

Outro ponto que considerei bastante polêmico no debate foi a defesa que ele (Vitor Ortiz) fez das praças do PAC. Falou que foi a idéia da Dilma e pouco há pra fazer já que a determinação veio de cima pra baixo e o processo tá em curso.
O ideal era que fosse cancelado esse projeto por seus inúmeros equívocos.

Dispensa comentar que as praças precisam ser urgentemente ser repensadas. No entanto, se o processo for inexorável, que participemos dele.

Ninguém discutiu a gestão, nem mesmo a edificação dessas praças. Seria uma boa hackear esse projeto. Propor, por exemplo, que seja utilizada a permacultura na edificação da tais praças. E que se obrigue as prefeituras a destinar uma verba X para manutenção. Se deixar frouxo, virarão elefantes brancos, já que a experiência que temos é que as prefeituras não cumprem com o prometido. Teria que dizer pras prefeituras: ou vocês cumprem ou não mandaremos verba pra vocês. Cortaremos o repasse.

E que a gestão seja da comunidade, que haja mecanismos de participação e controle dessa mesma comunidade no gerenciamento do equipamento. Que seja criado conselhos gestores. Que se envolva os fazedores de cultura, os Pontos, tuxauas etc. Acho que a bola pode voltar pra nossas mãos.

Do debate como um todo senti que o que está por tras disso são modelos de negócios camuflados em pequenas ações. Estamos disputando paradigmas. Concepção de economia da cultura que será pelo vies empresarias/industrial ou colaborativo como defendemos. É cultura livre ou cultura de mercado.

Há muitos equívocos, contradições na fala do novo MinC mas eles sabem muito bem o que estão defendendo. A ideia deles é focar na economia criativa pra impactar o PIB, para exportar. Vale dizer que o Secretário Executivo foi evasivo ao falar da reunião do MinC com o ministro de Comércio dos Estados Unidos ocorrida na visita de Obama ao Brasil. Segundo Ortiz, a pauta foi deles.

O Minc mais está parecendo uma empresa ainda na fase pre-capitalista. Uma visão de empresariado baseado em modelos conservadores. Eles nem pra perceber que o novo capitalismo tem usado de licenças fexiveis como estrategia de aumentar seus lucros. Em outras palavras, eles estão adotando modelos capitalistas atrasados. Nem pra ser um capitalismo mais moderninho…

Creio, portanto, que a discussão que devamos encampar é a defesa do paradigma da colaboração, da economia justa, da cultura livre em contraposição a economia mercadológica que privilegia a indústria intermediária. É isso que o novo velho minc defende.

Da discussão ficou uma frase que Ivana Bentes colocou: Nós somos MinC, O MinC é nosso.

Penso isso também. Não venham eles querer passar feito um trator em cima do que construimos nesses anos todos. Nós vamos espernear, sim. Achei linda a sintonia de nossos interlocutores. Teve momento de arrepiar. O que indica que estamos no caminho certo pq nossa luta é justa, é fundamentada. É legitima.
Resta translúcido – e creio que o secretário executivo levou esse recado – é que não vamos nos contentar como expectadores. Nós somos protagonista e queremos autonomia e definir os rumos da política pública de cultura no nosso país.

Cultura não pode virar um produto do capitalismo. Cultura não é commodities.
Para ler mais sobre o PAC: ”Ministério da Cultura: prioridade para investimentos em infraestrutura: http://is.gd/JX4FjZ

Para ler mais: Ӄ o digital, ministra!: http://is.gd/y1dvja

@andreasaraiva

Manifesto Cultura Livre: sustentabilidade e autonomia

“Eu despedi o meu patrão (…) ele roubava o que eu mais-valia e eu não gosto de ladrão”
(Zeca Baleiro)

Adjetivar a cultura nesse caso não é só figura de retórica. Trata-se de uma atitude, uma posição, uma afirmação, uma forma de chamamento ao fato. O risco de começar um texto com uma afirmação peremptória, é que possa soar panfletário, “militante”. Pra ser sincera, admitamos que haja a intencionalidade de difundir idéias, de gerar questionamentos e de permitir um outro olhar, novos desenhos. A opção aqui é por uma cultura aliada à economia solidária. Um não solene ao mercado. A neutralidade não existe. Quanto mais em se tratando de cultura.

Antes de entrar no cerne, cabe o recorte de que cultura aqui nesse artigo é tratada no sentido amplo. Que vai desde as linguagens artísticas como música, teatro, cinema até a cultura como bem intangível como o conhecimento, o desenvolvimento de softwares, a metaReciclagem. A própria utilização de ferramentas tecnológicas é cultura, inclusive.
Há várias abordagens, significados, condições ao que possa ser considerada “cultura livre”. Há até os que defendem que não devamos adjetivá-la. No entanto, vou tratar aqui da cultura como possibilidade de emancipação financeira sem o quê não há liberdade. E para entendê-la é preciso pincelar sobre quais paradigmas ela está alicerçada. Como o Estado, os setores privados e terceiro setor, os movimentos a estão tratando?

No setor privado, ela foi devidamente transformada em mais um objeto de consumo. Mais um produto. Mais uma forma de geração de lucros. Aliás, a economia da cultura, economia da criatividade, indústria do entretenimento – como são normalmente conhecidas – movimentam cifras estratrosféricas correspondentes, por exemplo, a mais de 7% do PIB mundial com crescimento anual de 6,3% – superior inclusive ao da economia mundial. Os dados revelam que na Europa a movimentação atinge quase 8% do PIB e nos EUA o maior item de exportação é exatamente o da dita indústria da criatividade. Assim sendo, país a fora a cultura é tratada como uma mercadoria valiosa.

Por outro lado, no setor público, a cultura vem timidamente se erguendo e se configurando de política de governo a política de Estado. Uma grande caminhada, no entanto, será necessária até se firmar como política pública. A luta dos movimentos sequer conseguiu fazer constar o mínimo de 1% da união para a cultura, como preconiza a declaração universal da UNESCO sobre a diversidade cultural e como recomenda a agenda 21 da cultura. Desafios são lançados aos ditos movimentos posto que pode até se ter liberdade sem luta, mas desconheço precedentes históricos.

Partamos, pois, do pressuposto de que o Estado tem a obrigação constitucional do direito à cultura. Mas esse direito tem atingido apenas o setor “produtivo” como empresas, indústrias do entretenimento. Há financiamento de milhões para estes via créditos no BNDES, BNB, dentre outros. E apenas e tão-somente a poucas linguagens artísticas já consagradas como a música e o cinema (audiovisual). Setores como cultura digital, cultura do conhecimento e desenvolvimento de softwares tem que se contentar com editais e/ou prêmios. Ínfimos, diga-se de passagem.

Por falar em editais, o Estado viciou o terceiro setor. O terceiro setor se acomodou. Se há liberdade nisso ainda não estou enxergando. Os editais são valiosos para a democratização, para a transparência, mas essa política apenas atinge a ponta do iceberg. Política de editais tem que vir somado a outras tantas iniciativas que promovam sustentabilidade. Ainda que se ressalve a iniciativa e a boa idéia dos pontos de cultura, este programa carece de um bom suporte à sustentabilidade financeira das entidades que abrigam um “ponto” com fins de romper com essa lógica de dependência e propiciar formas de geração de renda (diferente de lucro, ressalve-se) que garantam autonomia. E autonomia sim é liberdade. E não o “sevirismo” – ato de entregar kits e deixar que entidades “se virem”- tão propalado e difundido e que vários setores tem caído nessa esparrela. O Estado tem mais é que garantir condições técnicas tal qual o que reivindica os que defendem a reforma agrária de que não bastam distribuir terras. Há que se tenha acompanhamento técnico, ferramentas….mandar “se virar” é tentar convencer os que trabalham com cultura a ficarem satisfeitos com esmolas tal qual esfaimados à espreita de migalhas que sobram das mesas fartas do setor industrial.

Daí advém, por dedução, um ponto de fundamental entendimento. O Estado tem se tornado, um investidor no setor cultural. Sendo que está investindo no capitalismo e na perpetuação dessa mesma lógica competitiva, de fabricação de uma cultura mercadológica, de descarte. Por analogia, não é forçoso perceber que a politica pública no Brasil é cúmplice da intermediação e sustentáculo do capitalismo. Manutenção dos “atravessadores” que ganham rios de dinheiro em cima do trabalho de muitos. Sem possibilidade, portanto, da construção de uma cultura que promova liberdade.

Uma boa tendência observada é o que está sendo gestado no âmbito da espontaneidade. Vários grupos de metaRecicleiros, de ativistas da cultura digital, dos desenvolvedores de softwares livres têm trabalhado em rede, formando novos modelos de negócios. O associativismo é um bom exemplo. Muitas cooperativistas têm se formado como alternativa interessante de exercer a cultura livre, de gerar renda. É alento perceber que a cultura pode se transformar em uma atividade econômica. Não de olho no mercado, mas que pode se apoiar na economia solidária, por exemplo. Que funciona com uma lógica diferente do capitalismo.
Podemos citar inúmeros exemplos de coletivos de norte a sul do país: O Fora do Eixo, Puraqué, Iteia e a magnifica ideia da Produtora Colaborativa, a Rede Tucum de turismo comunitário, Odomodê e o TecnoBrega dentre outros tantos modelos de economia colaborativa que já são realidade.

Aliado a isso existem elementos importantes que vêm causando redefinição de vários quadros antes sacramentados. A internet, a popularização de equipamentos tecnológicos, a economia solidária como alternativa e a cultura colaborativa ensejaram uma gama de transformação no mercado cultural. A título de exemplificação, o setor da música, ao que parece, tem se adaptado bem a novos modelos de negṍcios. Tirando a figura do intermediário – industria fonográfica, distribuidores etc., até então o maior beneficiado financeiramente – e comercializando diretamente com seus ouvintes seja em shows ou pela venda direta na internet ou bancas de revistas. Outra boa alternativa são as cooperativas de desenvolvedores de softwares que estão abrindo mão de grandes empresas para se dedicarem a se autorganizar e fazer disso uma forma exitosa de geração de renda.

Há uma miopia do Ministério da Cultura de não perceber que os Pontos de Cultura possam gerar renda e que o relega a um “social” dentro do cultural. Nada pode ser mais errado. Se houver investimentos, os Pontos de Cultura podem se tornar fenomenal vetor de desenvolvimento econômico local. E de uma só tacada diminuiria o gravissimo problema cultural no país que é a demanda por equipamentos.

Daí que lanço muito mais questionamentos do que propriamente soluções. Pelo simples fato de que tudo ainda está por ser escrito, desenhado. Cabe o desafio de perceber: de que forma a economia solidária pode ser um instrumento para viabilização dessas alternativas de sustentabilidade financeira? É possível modelos que tragam autonomia e possibilidade de sobrevivência digna a partir da atividade laboral que não alimente a perversa lógica capitalista?

Tornar o que se gosta de fazer em atividade econômica que forneça condições dignas de sobrevivência, tornar essa atividade prazerosa. Viver do que se produz. Despedir o patrão e trabalhar pra si e para o bem de outrem já é um pouco liberdade.
Passamos da era industrial para a era do conhecimento e este sendo livre terá maiores condições de possibilidades de propiciar sinergias coletivas, da liberdade sair do plano da utopia e se tornar realidade.

Precisamos urgentemente de um encontro nacional para validar esses muitos experimentos em economia colaborativa e em rede. Precisamos sair da invisibilidade e lutar para que tenhamos o mesmo volume de financiamento que a cultura de mercado sempre teve. Edital é uma roupa que já não nos cabe mais. Edital é para quem está iniciando e precisa de portfolio. Precisamos é de uma política cultural nos reconheça como gerador de desenvolvimento econômico. Justo, colaborativo.

A grande questão é romper com os paradigmas. Pois nem as políticas de cultura enxergam na economia solidária uma boa alternativa de sustentabilidade financeira, tampouco a economia solidária enxerga a economia da cultura como atividade econômica. Mas como diriam os nerds, paradigma bom é paradigma hackeado….eis o grande desafio.
obs: texto originalmente escrito e publicado em 2009. Mas resolvi colocá-lo na roda novamente por entender que ele nunca esteve tão atual.

#economiacolaborativa #culturalivre #liberdade

O que falta para o cinturão digital ser humanizado?

Por uma política digital sistêmica, universal e sustentável

Fui instada a responder a uma entrevista e acabei fazendo um estudo sobre o que está sendo efetivado pelo governo estadual denominado “Cinturão Digital”. Embora localizado no simpático Estado do Ceará, considero que a realidade e a provocação reflexiva pode ser adaptada a todas as regiões do país, uma vez que está na pauta, a discussão sobre o Plano Nacional de Banda Larga.

É de acesso a banda larga que vamos tratar no decorrer do texto. Aqui no Ceará está sendo implementado Cinturão Digital pelo Governo do Estado.

Sai como relato despretensioso de quem já viveu por alguns anos a dor e delícia de ser implementadora de políticas de Inclusão Digital e de Cultura do Governo Federal e sabe da relevância do papel que nós, implementadorxs, temos nas desencontradas iniciativas de ID desse país. Trata-se de um contraponto propositivo à intencionalidade das políticas gestadas em gabinetes…

O Cinturão Digital visa a criação de infra-estrutura de fibras ópticas para cerca de 85% do interior cearense. É uma obra justificada por que pouquíssimas cidades do Estado têm acesso à banda larga. As que dispõem, cobram taxas exorbitantes como é o caso de Guramiranga que 1MB custa a bagatela de R$ 1.800,00. Indiscutível, portanto, a sua importância.

Como é indiscutível, também, a economia que o governo fará com a redução dos custos com telefonia, transporte etc. Bem como a rapidez e agilidade da informação e comunicação entre os setores públicos e sua modernização da estrutura administrativa. Sem contar na junção de alguns projetos desenvolvidos pelo governo que necessitam de conexão.

Com efeito, o Cinturão foi pensado pra atender inicialmente as demandas do Governo em educação, medicina, administração etc.

Consiste basicamente em implementar as tais fibras, deixar num ponto e levar a conexão desse ponto para órgãos institucionais da esfera governamental nas localidades atendidas.
No entanto, quem levará a conexão para a casas das pessoas vai ser a iniciativa privada. O governo aposta no barateamento desse serviço pelo viés da concorrência. Se não é uma política de distribuição gratuita, universal de banda larga como almejamos é de suma relevância, não resta dúvida.

Mas ainda que se considerasse que é um primeiro momento, o de entregar a empresas a tarefa de fornecer conexão, esse é o primeiro nó. As empresas cearenses alegam falta de informação para ficarem preparadas quando for aberta a concorrência. Alegam que isso pode favorecer grandes empresas vindas de fora por já dominarem esse tipo de tecnologia. Como beneficiadas serão, também, as operadoras de telefonia que não vêm cumprindo com o contrato de implementar as fibras e disseminarem a banda larga no interior.

Considero o projeto uma obra mais de engenharia do que de uma política digital pensada sistemicamente. E como obra de engenharia, o tecnicismo e seus números e seus jargões dão a tônica e afasta a população das discussões mais prementes. Talvez isso justifique a ausência de questionamentos e propostas para geração de renda, para inclusão e cultura digital, para tecnologia da informação e para pesquisa e desenvolvimento, por exemplo.
Economicamente, seria um momento para se pensar na formação de cooperativas de provedores e nas pequenas empresas. Momento para aproveitar a experiência das lan houses espalhadas pelos interiores como forma de geração de renda sustentável ou outras formas que fomentassem os pequenos empreendedores ou de economia solidária. Mas o governo investe na iniciativa privada de grande porte. E essa opção do governo favorece as grandes empresas. Desde a implementação da fibra até a chegada na casa das pessoa.

Quem ganhou a licitação para implementação da infra, foi uma empresa de São Paulo que levará divisas para seu estado, obviamente.

Era momento também, para se preparar os pequenos setores da economia para imensa demanda em serviços, em comercialização de equipamentos e indo além, no desenvolvimento de softwares e hardwares livres. Tal política adotada engendra a dependência de tecnologia e serviços vindas de fora. Sem xenofobia, mas pensando na movimentação financeira e circulação de verba, certamente contribuiria para diminuir o lastimoso estado de pobreza do nosso estado e a dependência do conhecimento técnico externo. Isso é o que costumo chamar de sustentabilidade tecnológica pouco referenciada nas ditas políticas digitais aplicadas nas três esferas governamentais. Pensar isso é pensar na importância que o software livre traz para autonomia do conhecimento e para o desenvolvimento sustentável do nosso país.

O projeto peca em não pensar a questão da dita inclusão digital. Aliás, o projeto de inclusão digital que existia no estado redundou num terrível fracasso, o famigerado “Ilhas Digitais”. Se percorreres o interior do estado como fiz recentemente, verás que estão quase todos fechados. O governo não deu continuidade e tampouco pensou em política digital de aperfeiçoamento ou substituição do fracassado projeto.
Em suma, o governo acerta em tentar trazer conexão para o interior e tentar promover o mínimo que é o mero acesso. Não se refuta e nem se discute a importância, mas o acesso é apenas a tão somente o primeiro passo. Tenho usado o termo política tecnológica ou política digital para designar o que chamamos de inclusão e cultura digital. Para mim inseparáveis e que carecem exatamente de ser considerado como uma política pública e ser dada sua devida dimensão.

A ausência de um comitê ou fórum instado a pensar sobre tal política pode ter contribuído enormemente para o Cinturão não ter sido pensado sistemicamente e excluir a pauta da “inclusão e cultura digital”. A ausência de mecanismos de controle social e político enseja que governantes façam seus programas desvinculados das demandas mais prementes. A sociedade civil precisa acordar da letargia e demandar, propor.

Em suma, o Cinturão Digital é, ainda, uma obra de engenharia e de política de gestão administrativa mas pode-se ir além. Pode-se transformar numa política de Estado e abranger propostas mais amplas. O governo do Ceará tem aberto canais para conversação com a sociedade civil. Tudo bem que depois de pensado quase tudo, mas passou a bola. Estaremos à altura para tal demanda?

Ainda na esteira das políticas digitais, estamos acompanhando com atenção os desdobramentos do projetos telecentros.br tocado pelo Ministério do Planejamento que tentou centralizar as políticas de Inclusão Digital. Mas isso é outro ponto para um próximo artigo.

Perguntas:

1.Qual a política do Cinturão Digital para ceder (ou não) conexões a associações da sociedade civil, quais demandas?
O governo pensou o Cinturão Digital para atender apenas suas demandas de conexão, inicialmente. Não se pensou em promover conexão para setores da sociedade civil como pontos e pontões de cultura, empreendimentos culturais do terceiro setor e tampouco para os telecentros.

Houve uma movimentação através do Fórum da Cultura Digital do Ceará em fazer um abaixo-assinado solicitando a inclusão dos pontos de cultura e dos telecentros. Movimento inicialmente focado na liberação de conexão. Chegamos a trocar ideias com o próprio governador pelo twitter que, de pronto, acatou e nos instou a levar a proposta.

Depois começamos a estudar o cinturão digital como um todo e percebemos que essa demanda é mínima frente às possibilidades de uma política digital sistêmica. Pudemos ter uma visão crítica do projeto e estamos na etapa de ser propositivos. Percebemos que haveríamos de pensar o todo. O acesso é a ponta do iceberg.

Localizar nossa reivindicação apenas para conectar os pontos de cultura e de inclusão digital seria não perceber que o acesso é apenas o primeiro passo para uma política digital e que somente o acesso não garante a real demanda por formação, tecnologia da informação, pesquisa e desenvolvimento, cultura digital e até de geração de renda.

Provocamos mais uma vez o governador pelo twitter com a pegunta mais ou menos assim: “quando será que o cinturão digital vai perceber o humano”. Além de retrucar nossa pergunta e responder que já há o humano no projeto porquanto haverá EAD, telemedicina etc, ele perguntou se haviam propostas nossas. Respondemos que sim e estamos nessa etapa. Tentando organizar pelo Fórum de Cultura Digital e os Pontos de Cultura, um Seminário / imersão eminentemente propositivo para elaboração de propostas exequíveis e apresentá-las ao Governo do Estado.

Ressalte-se que mais que apresentar ao governo do estado, pensamos que essa proposta poderia ser construída nacionalmente pois a realidade do Ceará não é distinta da do restante do país. Se pensarmos em uma intervenção aqui, com esse canal aberto e negociado com o governo, poderemos replicá-la e adaptar em diversos pontos do Brasil. E quem somos nós? Os muitos implementadores, oficineiros, ponteiros, midialivristas, metarecicleiros espalhados e que agimos em rede. Conhecemos a realidade das políticas digitais, somos peça essencial na engrenagem, o que nos baliza a fazer proposições e nos tornar agentes de implementação de tais políticas e não meramente executores de programas ou propostas. Somos oriundos de vários projetos governamentais aplicados nos últimos anos e estamos aptos a protagonizar ações sustentáveis de políticas digitais. Somos sociedade civil.

Infelizmente as políticas executadas até aqui do ponto de vista de “inclusão digital” não conseguem perceber que não basta distribuir máquina e conexão. Como diria o Dpadua, um grande implementador que faleceu precocemente: “tecnologia é mato. O que importa são as pessoas.”

Mas voltando a pergunta inicial, o que falta mesmo para nos apropriarmos dessa discussão?

OBSERVAÇÃO: Texto originalmente publicado em Agosto de 2010

Andréa Saraiva
Foi implementadora do Projeto Casa Brasil-Ce/MCT/Casa Civil
Foi implementadora da Ação Economia Viva no Ministério da Cultura/PNUD
É consultora em política digital e política de cultura

Tamos preparados pra compartilhar?

Conseguimos aprovar 2 projetos no edital das artes da funcet. Um em “mídias digitais” e outro em “literatura”. Fato é que chamamos uma oficina de elaboração de projetos pra grupos, pessoas etc. Uma espécie de tutorial pra orientar a metodologia.

Pra minha grande decepção, a maioria das pessoas que participaram foram com intuito de que nós elaborássemos por elas. Queriam tudo mastigado, pronto.

Nosso objetivo era contribuir para eliminar intermediário. Difícil romper com lógica da dependência!

E a utopia definha, recolhida em um canto

Pois é. Patricia Saboya candidata, Pc do B desastrosamente lançando candidatura.

Ao que tudo indica o Psol não investirá no pleito. João Alfredo ainda se recupera do baque e muito honrosamente devota seu tempo na militância como se atentasse para o fato de que o planeta ainda tem jeito, ao contrário do modelo de democracia representativa do país. Até o momento não se mostra disposto a enfrentar o ambiente nada amistoso de disputa eleitoral. Renato Roseno tendo a certeza de que tem o mais o que fazer do que disputar eleição.

E Luizianne Lins? Espero que traga na manga outra carta que não seja a do apoio corda-bamba de Cid/Ciro. E se desdobre em transformar a boa intenção em resultados mais contundentes. Por enquanto houve ensaio. O público espera a estréia.Fincará sua candidatura pautada apenas no reconhecido carisma?

Os movimentos sociais não criaram alternativas criativas, talvez satisfeitos com a regra do jogo institucional saciando-se com migalhas rateadas entre esfaimados que caem das mesas do Estado.

O mais triste é ver a morte da ideologia na política. O pragmatismo reina triunfante jogando sua pá de cá em cima da utopia. Eleição sem paixão é cerveja sem álcool, sexo sem orgasmo, claudinho sem buchecha…

Que cenário nos (d)espera em 2008!